Old is Gold - Taheya Carioca
Taheya Carioca está entre as figuras mais importantes da história do cinema egípcio. Com mais de 200 produções em seu currículo, ela não era apenas uma dançarina excepcional. Taheya também era uma atriz habilidosa, tendo participado de filmes, séries e peças de vários gêneros, interpretando papéis surpreendentemente diferentes.
No entanto, por trás de seu sorriso tentador e status de estrela estava uma mulher feroz que estava profundamente envolvida nos assuntos políticos do Egito, antes e depois da revolução de 1952.
SUA ORIGEM HUMILDE
Taheya Carioca nasceu em 1915, sob o nome de Badawiya Mohamed Ali Elnedany Karim, na cidade egípcia de Ismailia, filha de Mohamed e Fatma. Seu pai era um comerciante de barcos que se casou seis vezes. Diz-se que o pai de Badawiya tinha cerca de 60 anos na época em que sua mãe tinha vinte e poucos anos. Badawiya mal conseguia falar quando seu pai morreu e foi enviada para morar com seu meio-irmão mais velho, Ahmed. Quando criança, Badawiya mostrava talento para atuar e dançar, mas seu irmão, se opôs profundamente à dança dela, e em nome de sua reputação e da honra da família, batia nela repetidamente. Enquanto estava lá, ela foi torturada, tratada como uma escrava e acorrentada. Cada vez que ela tentava escapar, ele a encontrava e a torturava ainda mais, até que um dia raspou o cabelo dela para impedir que saísse de casa.
Chegando aos 13 anos, ela não aguentou mais e, com a ajuda de seu sobrinho Osman, fugiu para o Cairo para ficar com Souad Mahassen, que era conhecida de seu irmão.
Mahassen era, na época, uma famosa cantora e dançarina síria radicada no Egito. Taheya pediu emprego na boate de Souad, mas ela se recusou a empregá-la, devido à má reputação que teria por trabalhar ali. No entanto, muitos dos amigos de Suad conheceram Taheya por meio das visitas à sua casa. Todos eles aconselharam Souad a colocá-la num dos seus shows como corista, mas ela se recusou. Depois de algum tempo, cedeu e a tornou figurante em uma de suas peças, seguindo o conselho do ator Bishara Wakim. Taheya estudou na Ivanova Dancing School antes de se mudar para a Mohammed Ali Street, que era equivalente à Broadway no Cairo.
Quando Mahassen foi forçada a voltar para a Síria com seu marido, ela deixou Badawiya nas mãos competentes de sua amiga, Badia Massabni. Massabni era uma cantora e dançarina sírio-libanesa, seu cassino ficava no coração do Cairo. Reis e príncipes de todo o mundo, incluindo o rei Farouk do Egito, se reuniam no Cassino Badia para ouvir as músicas mais recentes e assistir às dançarinas do momento. O nome 'Taheya' lhe foi dado por Badia, enquanto que seu sobrenome artístico foi concedido por seu público, que testemunhou sua interpretação perfeita da mundialmente famosa dança "Carioca".
Carioca, é o nome de uma música e dança de 1933 que apareceu no filme Flying Down to Rio, com Fred Astaire e Ginger Rogers, e que ganhou atenção mundial. O coreógrafo Isaac Dickson, que trabalhava no cassino de Badia foi quem sugeriu esse estilo para um solo de Taheya. Depois de ficar fascinada pelos ritmos brasileiros, ela pediu a seu percussionista Zaki para tocar uma batida semelhante em sua tabla e assim introduziu ritmos latinos em seu show. A partir daí, ela passou a ser conhecida como Taheya Carioca.
Mas ela é conhecida também por sua lealdade à autêntica música e dança oriental. Seu corpo curvilíneo, olhar profundamente sensual e o balanço rítmico de seus quadris atraíram a atenção do público egípcio por décadas.
A competição no Cassino de Badia era dura, principalmente contra Samia Gamal, que também dançou lá no início da carreira, mas seu estilo era totalmente diferente de sua rival profissional.
A ASCENSÃO DE UMA ESTRELA
Taheya alcançou a fama em 1940, cinco anos depois de ingressar no grupo de dança de Badia. No entanto, isso lhe custou caro. Sua irmã, Fatema, era casada com Aly El-Gedawy, que se divorciou dela quando Taheya alcançou a fama. Ele se recusou a permanecer casado com uma mulher cuja irmã tinha uma profissão tão "desonrosa". Após o divórcio, Fatema deixou sua filha, Ragaa El-Gedawy, com Taheya no Cairo.
Durante esse tempo, o Egito estava sofrendo sob o peso do colonialismo britânico e das Guerras Mundiais. No entanto, Taheya subia no palco à noite, como de costume, apenas como desculpa para levar seu carro após sua apresentação, carregado com um baú cheio de armas para Ismailia, onde os feda'eyeen (soldados voluntários) estariam acampados para lutar contra os britânicos.
Outra anedota famosa, pré-independência, é que Taheya ajudou secretamente o então oficial Anwar Al-Sadat a se esconder dos soldados britânicos. Na época, Sadat havia escapado da detenção e a irmã de Taheya o abrigou em sua casa em Ismailia por quase um ano.
Foi também em 1952, durante o movimento dos Oficiais Livres, IlDabat Ilahrar, para derrubar a monarquia nomeada pelos britânicos, que ela se casou com o oficial Mostafa Kamal Sedqy. A propaganda nacionalista era, na época, profundamente encorajada pelos Oficiais Livres e pelo povo. No entanto, Sedqy deixou o grupo, desaprovando a intenção de um golpe de estado. Juntos, Sedqy e Carioca distribuíam secretamente panfletos incitando as massas a se revoltarem contra os Oficiais Livres.
DO ENCARCERAMENTO AO ATIVISMO CONTÍNUO
Quando o governo descobriu os panfletos e seu casamento secreto com Sedqy, a prenderam, e essa foi apenas sua primeira passagem pela prisão, em 1952. Foi nessa época que Taheya proferiu uma de suas muitas frases famosas: "ذهب فاروق وجاء فواريق" (Um Faruq se foi e muitos Faruqs chegaram em seu lugar ).
A ativista de esquerda Naela Kamel disse que ela foi uma das figuras que mais a impressionou durante seus cinco anos de prisão. Ela disse:
"Quando Taheya entrou, a prisão inteira ficou em pé. Prisioneiras políticas e de todas as categorias, durante todo o dia, tentavam passar por sua cela ou vislumbrar sua presença de longe. Os oficiais e até o próprio diretor da prisão, iam até ela na cela, em nome da paz, acolhendo-a, oferecendo seus serviços e atendendo às suas necessidades", disse Kamel à filha, Nadia Kamel, que publicou esse relato no livro Al-Mawluda (2018).
Taheya usou seus privilégios para proteger as prisioneiras das condições desumanas em que foram forçadas a viver. Ganhou as manchetes na época em que liderou uma greve de fome dentro da prisão, exigindo os direitos humanos básicos das prisioneiras. Elas mantiveram a greve até que uma comissão de direitos humanos visitou a prisão e seu diretor foi substituído.
Após sua primeira passagem pela prisão, Taheya costumava abrir sua casa para ex-prisioneiras enquanto se recuperavam da reclusão. Ela superou suas múltiplas passagens pela prisão e deixou seu trabalho político se infiltrar em suas atuações como atriz. Participou de filmes e peças repletos de sátira política e comentários sociais, especialmente em seus últimos anos no palco e na tv.
Antes de nos aprofundarmos no sucesso de Taheya como atriz e dama da alta sociedade, vamos voltar ao seu talento na dança. Era consenso geral no meio artístico que Taheya havia refinado a dança do Egito a um nível nunca antes alcançado. A ponto da dança passar a ser comparada às artes admiradas pela alta sociedade. Ela era conhecida por ter comentado que no antigo Egito a dança era uma forma de adoração aos deuses. É impossível listar os nomes das centenas de dançarinas que aprenderam direta ou indiretamente com seu fantástico estilo.
Taheya costumava ser a anfitriã das comemorações nacionais oficiais e das festas reais particulares. Como era fluente em inglês e francês, era capaz de manter sua posição entre os líderes de estado estrangeiros, auxiliada por sua extensa biblioteca, que sempre consultava para tornar-se a artista culta e eloquente que era.
NO CINEMA
O diretor Togo Mizrahi foi o primeiro a escalá-la para um filme, Dr. Farahat (1935). Em 1937, ela apareceu em Wara' Elsitar (Atrás da Cortina) dirigido por Kamal Selim.
Logo, Taheya tornou-se um rosto familiar como dançarina oriental a ponto de participar de sete filmes até 1942, a maioria deles dirigidos por Togo Mizrahi.
No entanto, ela se preocupava em ser tratada apenas como uma dançarina do ventre, pois se via como uma talentosa estrela do cinema, principalmente após o sucesso no papel que Togo Mizrahi lhe deu em Leila, Bint El Reef (Leila, a Garota do Campo -1941).
Taheya decidiu produzir filmes para se tornar uma atriz reconhecida, assim, criou, junto com o ator Hussein Sedqy e o diretor Hussein Fawzi, uma produtora que chamaram de Sherket Alshabab (Companhia da Juventude). Eles produziram gratuitamente enquanto trabalhavam na estreia da empresa, Aheb Il ghalat(1942), que marcou seu primeiro papel principal.
Apesar do êxito desse filme, que foi seguido por outros filmes, Taheya ainda precisava de um sucesso espetacular que comprovasse seu talento. Isso foi conseguido em Taqyet El Ekhfa, The Concealment Cap (1944), dirigido por Niazi Mostafa.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as comédias musicais começaram a florescer nas mãos de Hussein Fawzi, Ahmed Badrakhan e Helmy Rafla.
Taheya foi capaz de se inserir constantemente na fórmula comercial desse tipo de filme, a exemplo de suas concorrentes Samia Gamal e Naima Akef. Ambas limitaram seu trabalho a uma pessoa: Samia Gamal esteve quase sempre presente com Farid Al-Atrash, enquanto Naima Akef apareceu nos filmes de seu marido, o diretor Hussein Fawzi.
Taheya se destacou delas por colaborar com todos, sejam atores, produtores ou diretores. Apareceu regularmente em filmes com cantores conhecidos, como Mohamed Fawzi, Karem Mahmoud, Al-Kahlawi, Abdel-Aziz Mahmoud e também Farid Al-Atrash.
Taheya sempre manteve uma boa reputação entre o público, parte disso pelo fato de não dançar em Night Clubs conhecidos, ao contrário de Horeya Mohamed, Beba Ezz-eddin e Hekmet Fahmy. A maioria dos seus números de dança foram apresentados durante turnês locais ou internacionais. Ela também não estava interessada em adquirir o título de dançarina do palácio, como Thuraya Salem. Mesmo seu relacionamento ambíguo com o rei Farouq estava em um pé de igualdade surpreendente.
Tudo isso ajudou a fazer com que as classes média e baixa a aceitassem como atriz. Essa era uma vantagem que nenhuma dançarina do ventre desfrutava, exceto Samia Gamal e Naima Akef.
Taheya era inteligente o suficiente para acompanhar a evolução do gosto do público. Começando como uma das estrelas das comédias musicais, que prevaleceram durante os anos 1940 e início dos anos 1950, ela mudou para dramas sociais, nos quais teve destaque, para comédias familiares na década de 1960, onde se beneficiou de envelhecer graciosamente enquanto reservava um lugar para si mesma na tela.
Taheya não se importava em desempenhar bons papéis coadjuvantes ao lado de papéis principais. Ela fez isso com Leila Mourad em Shate' El Gharam (1950), com Aziza Amir em Qisma u Nassib (1950), com Faten Hamama em Ibn ElHalal (1951), e com Magda em Shate' El Assrar (1958).
Como os espectadores continuaram a admirar Taheya como atriz, a pergunta que podemos fazer é por que ela interrompeu sua carreira de dançarina, mesmo que essa tenha sido o que a fez entrar no mundo do cinema?
De fato, ela não se sobrecarregava com assuntos marginais que diminuíssem seu foco no cinema. Ela não teve uma empresa, como Badia Masabni ou Marie Mansour, nem entrou na política, ao contrário de Hekmat Fahmy. E ela não se envolveu em disputas com suas concorrentes, como aconteceu entre Beba Ezz-eddin e Badia Massabni.
Taheya se casou 14 vezes. A lista de seus maridos incluía o renomado ator Rushdi Abaza,
Uma das anedotas é que Taheya ensinou Rushdi a contrabandear armas para os feda'eyeen (soldados voluntários), ajudando-o a realizar seu "primeiro" ato de resistência política contra o colonialismo britânico.
Infelizmente, no final daquele ano, em viagem ao Líbano, Taheya flagrou o envolvimento de Rushdi com uma francesa, em um bar em Al-Hamra Street. Ocorreu uma luta épica, onde Taheya arrastou a mulher pelos cabelos e exigiu o divórcio.
É verdade que ela passou por vários casamentos fracassados, com o cantor Muharram Fouad, o dramaturgo Fayez Halawa e inclusive com um oficial do exército americano que a levou para os Estados Unidos, fato que estagnou sua carreira cinematográfica em 1947, mas ela almejava ir para Hollywood e trabalhar por lá.
Aparecer em 22 filmes até 1946 foi o suficiente para gravar a imagem de Taheya na mente dos espectadores. Assim, quando voltou para o Egito, após o divórcio, ela participou de seis filmes consecutivos, e depois de mais 28 nos próximos quatro anos.
Taheya era uma mulher muito determinada, o que a fez ter sucesso no mundo duro da dança do ventre do Cairo, além de ser uma ótima dançarina, sem dúvida. Mas ninguém nunca se aproximou de seu virtuosismo impressionante em jogos de palavras, gestos e flertes irônicos.
Taheya se tornou um ídolo para russos, americanos, alemães, ucranianos, italianos, armênios, holandeses e franceses. Todos ficaram atraídos pelo domínio artístico de Taheya e ela provou ser uma fonte de inspiração para toda uma nova geração de dançarinas. Foi contemplada com diversos prêmios na indústria cinematográfica, bem como no teatro e pelo governo do Egito, mas o melhor prêmio que ela recebeu foi o amor e o respeito de sua carinhosa platéia ao redor do mundo.
Como mulher, ela quebrou muitas barreiras, assumiu uma profissão severamente desprezada, criou a sobrinha sozinha e teve todo o seu dinheiro levado à força pelo último marido. Mais tarde ela se voltou ao Islã ortodoxo. Uma volta que mais bailarinas fizeram na velhice, deixando no esquecimento seus admitidos 14 ou mais maridos.
Um toque pessoal e triste sobre a vida de Taheya é o fato de que, apesar de seus vários casamentos, ela não podia ser mãe, algo que a entristeceu até seus últimos dias. Mas isto fez com que ela se envolvesse completamente com as crianças de seus irmãos e do resto da família, bem como ajudasse e mantivesse diversos orfanatos, abrigos e casas de caridade para crianças. No final de sua vida, adotou uma menina, Atiyat Allah, "presente de Deus".
Taheya morreu em 20 de setembro de 1999 aos 79 anos de um ataque cardíaco. Fifi Abdo se encarregou de criar Atiyat junto com suas filhas.
Sua célebre citação é uma mensagem preciosa para as novas gerações: "Toda dançarina oriental deve expressar a vida, a morte, a felicidade, a tristeza, o amor e o ódio, mas acima de tudo deve ter dignidade".
Claudia Cenci