Raqs Sharqi - Souheir Zaki

12/07/2023

Anwar ElSadat, presidente do Egito na época, a chamou de "Umm Kulthoum" da dança.Da mesma forma que ela canta com a voz, você canta com o corpo", ele lhe disse.

Umm Kulthoum e Souheir Zaki
Umm Kulthoum e Souheir Zaki


Souheir Zaki nasceu em Al Mansoura, em 1945, onde ela e sua família viveram até seus nove anos, quando se mudaram para Alexandria. Seu pai trabalhava no ramo de construção civil e sua mãe era enfermeira. Música e dança não eram o forte da família mas Souheir se apaixonou por ambos desde pequena e aprendeu sozinha a dançar, ouvindo o rádio. Seu talento natural se revelou cedo e ela era notada nas festas de aniversário e casamento de seus amigos e parentes.

Ia direto da escola para o cinema, assistir a Taheya Carioca e a Samia Gamal. Até cortou seu cabelo imitando a Fairouz, a pequena atriz do cinema egípcio. O desejo de Souheir de dançar em público não superou a desaprovação de seu pai, mas talvez fosse parte de seu destino, já que seu pai morreu quando ela era ainda bem nova e sua mãe casou-se de novo. Foi seu padrasto que deu um empurrão em sua carreira, arrumando sua orquestra e se tornando seu empresário.

Ela trabalhou regularmente nos night clubs de Alexandria, onde a audiência era heterogênea, com muitas pessoas da comunidade grega que dominava a cena noturna naquela época. Em 1940, o número de gregos era de cerca de 250.000. A comunidade grega em Alexandria vivia em torno da igreja e do mosteiro sagrado de Savvas. Na mesma área existia uma pousada, um hospital e uma escola para a comunidade grega. Os primeiros bancos no Egito foram estabelecidos pelos gregos, incluindo o Banco de Alexandria. Além disso, os agricultores gregos foram os primeiros a organizar e planejar cientificamente o cultivo do algodão e do tabaco. Assim surgiu um comércio próspero entre a Grécia e o Egito. Havia muitos teatros, cinemas e jornais gregos. A comunidade grega no Egito produziu muitos artistas, escritores, diplomatas e políticos, sendo os mais famosos o poeta Constantine Cavafy e o pintor Konstantinos Parthenis.

Fama e fortuna chegaram quando, em 1962, uma festa de celebridades em Alexandria foi transmitida em rede nacional, e a jovem Souheir apareceu ao lado de outros artistas locais.

Ela foi notada pelo diretor de TV Mohammed Salem, que foi então em busca da "garota de cabelos longos".Ela era a única dançarina daquele tempo que não usava peruca nem muita maquiagem. Ele queria transformá-la em apresentadora de TV, mas na audição, mas não se saiu bem. Sua voz não era boa, e, além disso, ela só queria dançar.

Então, Souheir foi para o Cairo, onde se apresentava em casamentos e night clubs até altas horas da madrugada.

Dançou no programa Tholathy Adwa'a El Masrah (árabe: ثلاثي أضواء المسرح) que foi um trio de comédia stand-up egípcio formado por comediantes incríveis: El Deif Ahmed, George Sidhom e Samir Ghanem. E também em programas de TV semanais com apresentações de dança, como o Adwa' Al Medina. Era a dançarina solo regular e também dançava o tableaux do coreógrafo Ibrahim Akef, primo da dançarina e atriz Naima Akef e coreógrafo das melhores dançarinas das décadas passadas. Ele ensaiava as dançarinas do grupo; e Souheir vinha para a última cena. Ele costumava dizer: "Souheir ouve a música uma vez e dança sem ensaiar."

Seu preciso ouvido para a música era famoso. Em toda sua carreira, nunca levantou a voz para um membro da orquestra. Se alguém tocava uma nota errada, ela sabia quem era mesmo se tivesse de costas para ele. Depois, o chamava num canto e lembrava exatamente em que parte da música ele tinha errado. Os músicos sempre respeitaram isso."

Embora a televisão tenha ajudado a fazer o nome de Souheir, foram as apresentações nas casas noturnas e casamentos que a sustentavam financeiramente. As dançarinas daquela época eram as estrelas dos cabarés, ao contrário de agora, quando os cantores se destacam.

O primeiro night club em que dançou foi o L'Auberge des Pyramides, na Al Haram Street. Inaugurado no verão de 1943, L'Auberge tornou-se um local favorito dos oficiais britânicos e da elite cosmopolita que pretendia se divertir o máximo possível durante os anos conturbados da guerra. "Tinha um grande pátio ao ar livre com uma pista de dança no meio", escreve Artemis Cooper, historiadora da Segunda Guerra Mundial, "e foi considerado a casa noturna mais agradável do Cairo, tornando-se um local frequente para galas de caridade e... um dos refúgios habituais do rei Faruq".

Suas contemporâneas eram Neimet Mokhtar e Zeinat Olwi, e na geração seguinte Nagwa Fouad, Nahed Sabry, Zizi Mustafa e Fifi Abdou, que dançava no Arizona Club. Apesar de haver muito trabalho, a competição era acirrada, as dançarinas tentando superar umas às outras no tamanho da orquestra, na riqueza das roupas e assim por diante.

Sua maior rival era a Nagwa Fouad, elas competiam ferozmente. Se íam dançar no mesmo lugar na mesma noite, corriam para vestir-se e levar a orquestra ao palco antes da outra. Enquanto Nagwa adorava flashes e produzia tanto suas performances como os shows de Las Vegas, Souheir era o extremo oposto.

Madame Raqia Hassan, renomada professora e coreógrafa que levou Souheir ao Ahlan wa Sahlan Festival, reafirma sua popularidade:

"Souheir Zaki sintetiza a dançarina 'natural'. Salta aos olhos sua simplicidade: ela traduz a música com precisão e naturalidade, sem excessos e extravagâncias. Seus passos têm uma marca duradoura e até hoje são ensinados. Ela sempre foi ela mesma em frente ao público - nunca representou. Tal qual você a vê, frente a frente, agora: calma, falando macio e educada, assim era ela em cima de um palco."

A imagem clichê da dançarina oriental - sensual, sedutora e impetuosa - entra em conflito com essa descrição. E, talvez por isso, explica por que Souheir Zaki manteve-se no controverso mundo da dança com sua reputação praticamente intacta. Dançou nos casamentos das filhas de Gamal Abdel Nasser e Anwar El Sadat; e foi constantemente escolhida para entreter os visitantes ilustres. O presidente estadunidense Nixon a chamou de "Zagharit," quando soube que essa é uma expressão de alegria. Ela recebeu elogios e medalhas do xá do Irã, do presidente da Tunísia e do Egito.

Certa noite, estava indo de um show para outro quando Inta Omri, de Umm Kulthoum, tocou no rádio. Ela pensou que seria lindo dançar aquela música. Seu ritmo, sua melodia complexa, a faziam querer levantar e dançar. Apesar de fervorosas objeções do seu grupo, bateu o pé e foi em frente. Aconteceu do Mohammed Hassanein Heikal, que comandava o jornal Al Ahram, estava na platéia naquela noite, e ele escreveu sobre isso no jornal. Logo foram chamados para apresentar-se em uma festa de elite no bairro Zamalek no Cairo. Assim que começaram a tocar a música de Umm Kulthoum, Souheir se depara com essa senhora em pessoa entre o público! Souheir e os músicos ficaram apavorados, rezaram para vir um terremoto e a terra os engolir. Mas quando acabou o show, Umm Kulthoum foi até eles e os parabenizou. Disse que tinham sido maravilhosos e que estava encantada com a banda, que tinha tocado a música tão bem, música que ela mesma tinha cantado algumas semanas antes, precisando de muitos ensaios com a orquestra. Foi o maior elogio que jamais poderiam receber. Depois disso, Souheir ficou famosa por dançar as músicas de Umm Kulthoum na televisão, e foi isso que realmente espalhou sua fama pelo mundo árabe."

É claro que o cinema também ajudou. Souheir fez mais de 100 filmes ao longo de sua carreira, ao lado de estrelas das telas como Farid Shawqi, Shokoukou e Shadia. Ao contrário de dançarinas anteriores como Taheya Carioca, Naima Akef e Samia Gamal, ela nunca gostou muito de atuar. Seus papéis eram geralmente pequenos; ela ia para dançar. Mas é um fato real que se pusessem sua foto no pôster do filme, atraía multidões. Dos filmes que ela participou podemos destacar Tamn El Hob de 1963 (O preço do amor), a comédia divertida Elmaganin Elteleta de 1970(Os três malucos), Abna' Lilbey3 de 1973 (Filhos à venda), Sultanat Eltarab de 1978, sobre a história de vida de Mounira AlMahdeya, considerada a principal cantora egípcia na década de 20.

Também dançou em séries produzidas para a TV egípcia, como El ragl dul khamsat uguh de 1969 (O homem de cinco faces).

Encontrou seu marido, Mohammed Amara, fotógrafo, em um set de cinema. Foi um casamento feliz, já que ele era de uma família acostumada às pressões do mundo artístico. O sogro dela, Ibrahim Amara, é tido como responsável por levar Abdel Halim Hafez para as telas em seu primeiro filme, Lahn Al Wafa' (Canção da Fidelidade), seu irmão era o renomado diretor Hassan Al Seifi.

Seu marido, por ser artista também, a compreendeu. Eles tinham muito em comum. No entanto, a vida de casados tinha que se espremer entre seus compromissos com os night clubs, TV e cinema, e custaram muito a conseguir formar uma família.

Souheir engravidou várias vezes, mas sempre sofria aborto, talvez por causa das pressões do trabalho. Só conseguiu ter um filho, Hamada, em 1987 quando já começava a ficar tarde demais. E isso o torna ainda mais importante para ela.

No final dos anos 80, o cenário da dança começou a mudar e Souheir pensou em despedir-se dignamente. Grandes mudanças já se faziam na maneira que a sociedade via a dança.

Um dos dias mais tristes para ela foi quando a dança foi tirada da televisão. Quando ouviu o anúncio, no rádio, das celebrações de aniversário da televisão e que não haveria dançarinas, chorou muito. Ela tinha participado daquele evento todos os anos, desde que começou.

Houve outras razões, também, para que Souheir decidisse se aposentar. O visual das dançarinas estava mudando. No seu tempo, usavam volumosas saias de chiffon e pareciam princesas. De repente, tudo virou lycra. Para Souheir, ser dançarina não é mostrar seu corpo e posar num palco. É mostrar a arte de dançar. O fluxo de dançarinas estrangeiras para o mercado - que só começou quando Souheir deixou a cena, também não a impressionou, para ela as egípcias têm uma personalidade e humor difíceis de imitar.

Quando foi convidada para participar do festival por Mme Raqia Hassan, Souheir relutou em aceitar. Mas foi persuadida por colegas, que disseram que seria bom para ela e para a dança. Mme Raqia ficou impressionada pelo impacto que a presença de Souheir causou nos agendamentos. Todas queriam fazer aula com Souheir.

Souheir disse:

Como diz uma famosa canção de Umm Kulthoum, Fat El Ma3ad (O tempo passou):

"Então você quer voltar aos velhos tempos? Tente pedir a eles que voltem como eram.

Aqueles dias nunca voltarão - a atmosfera, os convidados. Onde estão agora?

A Dança Oriental foi minha vida. Tenho meu filho, meu marido. Mas as melhores lembranças de todas são da dança."

Claudia Cenci